A evolução da saúde mental
A saúde mental está no centro das atenções. Nas empresas, nas rodas de conversa, nas mesas de jantar e nas telas de TV.
Ainda bem. Nem sempre foi assim. Aproximadamente 280 milhões (muito mais do que um Brasil inteiro) sofrem com depressão em nosso planeta.
Quando colocamos na conta todos os males associados à saúde mental, o número sobe de forma assustadora: 1 bilhão de seres humanos (OMS).
Não é algo que pode ser varrido para debaixo do tapete, concorda?
Venha fazer uma viagem no tempo e na história, acompanhando os aspectos da saúde mental no passado distante, atualmente e seu planejamento para o futuro.
Quais são as questões mais sensíveis e como podemos combatê-las, ajudando uns aos outros?
A história da saúde mental desde os tempos antigos
Mas então o conceito de saúde mental e seus desdobramentos são recentes?
Nem tanto, faça as contas: alguns grandes pensadores de civilizações antigas, como os gregos e os romanos já haviam identificado o problema e ido um pouco além. Em meados do ano 400 a.C., a medicina da Grécia atribuía certas responsabilidades para a qualidade dos pensamentos e a maneira como as pessoas lidavam com a vida e seus desafios.
Esta equação estaria, ao menos em parte, ligada à saúde de um indivíduo.
Existem relatos bastante expressivos ao longo dos séculos daquela era. Acredita-se que o grande escritor e poeta Homero — autor grego da Ilíada e da Odisseia — sofreu com a depressão e teve a sua vida abreviada por conta da doença. Há cerca de 2 mil anos, o poeta e retórico romano Junius Juvenalis já profetizava a icônica frase: "mens sana in corpore sano" (mente sã em um corpo saudável).
Muitos anos mais tarde, já por volta de 200 d.C., observações apontavam o pensamento como um termômetro entre a boa saúde ou a ruína de uma pessoa.
Aqueles que carregavam em sua rotina angústias e irritações constantes, entravam em uma espécie de fundo do poço, impedindo que pudessem se desvencilhar.
Muitos acabavam por falecer e também já pensavam na prevenção e tratamento das doenças da mente.
Desde conselhos para viver no aqui e agora, tentando minimizar a ansiedade pelo futuro ou a depressão pelo apego ao passado, bem como técnicas de relaxamento e mudanças no estilo de vida, visando o bem-estar:
- Música - tocar os instrumentos da época, como a lira, para acalmar os ânimos
- Alimentação - variar a dieta
- Experiências - navegar, passar tempo na Natureza
- Exercícios - físicos e mentais, incluindo também jogos (damas, por exemplo)
- Busca pelo conhecimento - escutar os filósofos palestrando
Você vê alguma semelhança com o que presenciamos hoje?
Já se falava até em reprogramação mental: o conceito de tentar substituir ideias danosas e obsessivas por outras melhores (mas nem sempre).
Às vezes, colocava-se outros sentimentos não muito virtuosos apenas com o intuito de anular os anteriores.
A chegada do tema saúde mental no século XXI
Bastaria dizer que a depressão (os abusos — sexual infantil e por intimidação — estão entre algumas das causas fundamentais desta doença) é considerada como o mal deste século?
Ora, este é um grande indício de uma mudança de abordagem na história mais recente.
Dá para perceber como o assunto tem sido mais divulgado nas últimas décadas? Como isso começou?
Houve uma escalada no número de episódios ou um maior reconhecimento do estado da mente para a saúde integral e as nossas funcionalidades básicas?
A pesquisa e a ciência passaram a estudar e reunir mais dados sobre o tema, novas provas confirmaram a sugestão de que o assunto deveria demandar mais atenção, por exemplo:
Você sabia que pode-se abreviar a vida de 10 a 20 anos, sobretudo por doenças físicas que poderiam ser evitadas — resultado da deterioração severa da saúde mental?
Situações emergenciais de saúde pública, guerras e as desigualdades sócio-econômicas constituem algumas das questões estruturais globais vistas como inimigas da saúde mental. Estes são todos dados oficiais chancelados pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Ocorre que, também puxado por uma maior valorização de novas competências no ambiente de trabalho, como a inteligência emocional (entenda melhor no tópico seguinte), o tema da saúde mental passou a ser mais discutido na sociedade. Assim, uma abertura e olhar mais atento para certos transtornos mentais da atualidade se fizeram necessários.
Dificilmente você ainda não tomou conhecimento sobre algum deles. Talvez até conheça pessoas que estão enfrentando ou já passaram por isso:
- Ansiedade crônica - o nível de intensidade e a frequência diferem daquela preocupação corriqueira que todos sentimos;
- Depressão - sensação recorrente de tristeza, desânimo e entorpecimento.
A vida tende a perder o seu sabor. E por isso, requer acompanhamento médico;
- Síndrome do pânico - ataques súbitos de medo que fogem da razão, podendo causar sérios danos físicos;
- Síndrome de burnout - esgotamento triplo: mental, emocional e físico, ligado à tensão excessiva no ambiente de trabalho.
Assim, a motivação e o interesse pela atividade profissional deixam de existir. O enfoque e tratamento direcionados para a questão da saúde mental tornaram-se bastante amplos, compreendendo múltiplos fatores. Como por exemplo, os hormonais:
Sabe-se que a testosterona — lembrando: inclusive faz parte também do organismo feminino, embora em níveis menores — influencia diretamente a saúde mental; auxilia na regulação do humor, ativa a percepção de bem-estar e pode atuar também na concentração e consciência.
Quando em baixa, não são raros sintomas recorrentes de cansaço e desânimo. E o que acontece? Perda de qualidade de vida.
A saúde mental dirige boa parte de nossas ações e reações no dia a dia.
Evidentemente, o seu alcance transcende as relações pessoais e familiares; veja a seguir.
A saúde mental no trabalho nos últimos 20 anos
Sabemos que vida pessoal e profissional se misturam e se complementam.
Como temos levado o nosso estado mental para o ambiente de trabalho e quais os seus impactos?
Lembra-se da inteligência emocional, citada algumas dezenas de palavras atrás?
É um conjunto de aptidões que pode ser sintetizado em poucos itens:
- Conhecer e controlar as emoções;
- Capacidade de motivar a si mesmo;
- Empatia;
- Habilidades de relacionamento interpessoal.
A partir disso, foi possível identificar características comportamentais positivas e outras que carregavam certas deficiências ou algum tipo de preocupação.
Os departamentos de RH e recrutamento e seleção passaram a observar e monitorar tipos de comportamento mais específicos. Tanto para as etapas de contratação, como para o desempenho do colaborador.
As questões da saúde mental ganharam um caráter sensível aos olhos dos gestores. Como o ambiente de trabalho demanda lidar com pressão, alcance de metas e resultados, pode ser um tanto estressante. Embora haja muitos casos onde o tema não é tratado com a devida atenção, é um problema já conhecido e cada vez mais debatido.
Números sobre saúde mental nas empresas
Poucos anos atrás, durante o primeiro ano da pandemia, foi registrada uma elevação de mais de 25% nos índices da depressão e da ansiedade. Foi uma época extremamente atípica, mas pode ajudar a traçar um rumo inicial para o panorama atual. Falando sobre incapacidade, os transtornos da saúde mental são a sua primeira causa, na proporção de 1 para cada 6 anos nesta condição.
Um outro tema extremamente delicado — o suicídio — respondeu por mais de uma a cada 100 mortes em todo o mundo. Deste total, mais da metade (58%) tinha idade inferior a 50 anos (OMS).
Os afastamentos ocasionados pela síndrome de burnout têm sido os mais frequentes e seus índices saltam aos olhos: em 2023 (421 pedidos), o crescimento foi o maior da década, representando um aumento próximo de 1000% no período (INSS).
Existe outra estimativa preocupante da Associação Nacional de Medicina do Trabalho - ANAMT.
Dentre as pessoas economicamente ativas, ou seja, a nossa força de trabalho, 40% convivem com a síndrome de burnout.
O Ministério da Previdência Social contabiliza todos os outros transtornos de saúde mental e de comportamento que possuem relação com o trabalho: em 2023, foram registrados 27 afastamentos desse tipo. Por dia.
Valorização do RH para a gestão da saúde emocional dos colaboradores
O mau gerenciamento da saúde mental por parte dos próprios colaboradores e lideranças pode comprometer fortemente todo o quadro organizacional.
Todas as situações descritas acima são devastadoras e ainda contribuem para:
- Perda de produtividade;
- Ausências e licenças de longo prazo;
- Pouca retenção de colaboradores em virtude de rotatividade elevada nos cargos.
Os primeiros sinais surgem assim: o colaborador enfrenta dificuldades como perda de concentração para tarefas simples, maior chance de erros em suas atividades e sensação de sobrecarga. Assim, o departamento é vital para lidar com a questão e necessita de recursos, tempo para formulação e aplicação de políticas direcionadas e treinamento.
A própria célula, que atua para dar suporte e cuidar das pessoas da empresa, deve se utilizar dos mesmos mecanismos para usufruir e praticar o bem-estar.
Lembre-se daquela máxima: para poder ajudar, é preciso estar bem.
Como lidar com colaboradores que precisam de ajuda?
A medida mais eficaz (e sempre mais econômica) é a prevenção.
Oferecer um ambiente harmonioso, que preza pelo equilíbrio entre a execução de tarefas e momentos de pausa e descontração:
- Estimular o descanso ativo, por meio de alongamentos, atividades relaxantes e ginástica laboral.
Capacitar o colaborador para essa rotina quando em home office; - Promover a integração regular entre colaboradores de setores diferentes;
- Ter um pacote de benefícios flexível, que inclua opções de medicina além da tradicional, como a integrativa, opções naturais — acupuntura e outras terapias da mente (meditação e mindfulness) — acompanhamento psicológico e atividades físicas diversas, como musculação, natação e yoga;
- Realizar eventos que incluam as famílias dos colaboradores;
- Disponibilizar um canal aberto para sugestões, conversas e troca de ideias, no qual haja confiança e liberdade para exposição de dúvidas e frustrações.
No entanto, ao notar uma situação delicada ou mesmo receber um pedido de ajuda, o departamento, bem como outros colegas, devem aplicar um plano de ação.
A escuta é a primeira forma de acolhimento, em seguida, procurar entender qual é a origem da sobrecarga ou preocupação, a fim de que sejam feitas adaptações ou correções. Muitas vezes, a situação que está causando o problema não tem raiz na atividade profissional do dia a dia.
Tendo um mapa parcialmente desenhado, o colaborador precisa ser encorajado a utilizar os benefícios dos quais tem direito, sejam médicos, esportivos ou de lazer. Mesmo assim, é importante ter a possibilidade de conversar com profissional de psicologia da empresa.
Quando a companhia está preparada e oferece suporte de antemão, existe uma certa facilidade. Inclusive para prevenir que casos graves aconteçam.
Trabalhar para manter a boa saúde mental deve ser o caminho. Para todos nós.
Futuro: plano de ação integral de saúde mental 2013-2030
Está em andamento um projeto global pela transformação da saúde mental.
Encabeçado pela OMS, são convocados em torno desse objetivo: governos, profissionais da área da saúde, acadêmicos e a sociedade civil como um todo.
O prazo já ultrapassou a sua metade e caminha para o período final.
Quais são as propostas? Como podemos ajudar?
São 3 os principais caminhos:
- Tratar com mais seriedade a saúde mental, em termos de comprometimento e valorização;
- Promover uma reorganização dos espaços diretamente ligados à saúde mental — ambientes de moradia, educacional, profissional, serviços de saúde, comunidades etc.;
- Descentralização de locais e modalidades de atendimento, propondo uma maior atenção para a saúde mental. Assim, diversificando e ampliando o alcance a todos.
A fim de tentar minimizar problemas como discriminação e violações aos direitos humanos de pessoas com saúde mental, entre outros, medidas cirúrgicas com medição de desempenho compõem o programa:
- Leis e políticas nacionais para a saúde mental;
- Pesquisa, promoção e prevenção (inclusive ao suicídio);
- Sistema de informações integrado;
- Programa de assistência para a saúde mental na ocorrência de desastres e emergências;
- Integração da saúde mental aos cuidados básicos em unidades médicas.
Este ponto é imprescindível, uma vez que os mais desfavorecidos são aqueles com maior probabilidade de desenvolver problemas de saúde mental. Além disso, tendem a ficar aquém de um tratamento satisfatório.
Avançamos bastante. Entretanto, o tema ainda é tratado com superficialidade e como um tabu com alguma frequência.
Apenas com todas as saúdes balanceadas, poderemos ter uma vida plena e produtiva.
O entendimento da questão pelas antigas civilizações e do momento atual, leva a um consenso: apenas um único movimento ou atividade não vai reverter um quadro mental pouco saudável. É preciso uma grande mudança — e por vezes bastante apoio — no modo como se pensa e vive.
No entanto, este pequeno passo inicial pode levar a uma transformação significativa e duradoura.
Como vimos, a saúde mental precária pode levar a quadros perigosos e irreversíveis.
Peça ajuda quando precisar. E na mesma medida, também a ofereça.
Daquele bilhão de pessoas convivendo com doenças ligadas à saúde mental, cerca de 14% são adolescentes.
Identificar e atacar suas raízes desde cedo é uma importante meta.
Não vamos subestimar este problema.
Em última análise, a saúde mental passa também pelas chamadas coisas simples da vida: tempo de qualidade com a família e animais, apreciar e abraçar a Natureza, escutar a música que lhe faz feliz, dormir bem e parar para respirar.
Menos coisas e bens e mais experiências e interações humanas.
Busque essa reconexão. Certamente você já nos acompanhou diversas vezes exaltando um corpo são.
Chegou a vez da mente sã.