O tão sagrado momento da refeição: um prazer saudável para todos? Nem sempre.
Existem alguns distúrbios alimentares que acabam por prejudicar até 9% dos habitantes do planeta em sua qualidade de vida. Em sua maioria, são situações dificilmente identificáveis, principalmente por seu caráter quase secreto. Assim, as pessoas sofrem em silêncio - o assunto ainda é um tabu e fonte de preconceitos diversos - e não recebem auxílio.
Vamos tentar jogar uma luz neste problema, citando os tipos mais comuns, suas causas e consequências. Quebrar esse tabu e fazer com que não seja uma doença para se sofrer em segredo.
A insegurança na mente de quem tem o transtorno pode ser revertida por meio de uma rotina assertiva e suporte.
Quem se candidata a ajudar? E você, se candidata a ser ajudado?
Identificando os transtornos
Anorexia, bulimia, compulsão alimentar. Sejamos sinceros…não é algo que você e eu tenhamos o costume de conversar sobre. Some isso o fato de muitos não terem a consciência de que sofrem de algum destes distúrbios - os mais frequentes aqui no país.
Os adolescentes carregam algumas estatísticas muito preocupantes, pois não apenas metade das meninas e 30% dos meninos fazem uso de algum método nocivo à saúde na tentativa de manutenção de seu peso, como também:
- Os transtornos alimentares ocupam a terceira posição em doenças crônicas para essa faixa etária;
- A bulimia acomete 3% das meninas.
Todos derivam de uma síndrome psiquiátrica que engloba percepção de imagem corporal distorcida, culpa, baixa autoestima, padrões estéticos (o mito do corpo perfeito) e dietas com fórmulas perigosas, além de causas biológicas e familiares/relações tóxicas.
Segue um breve detalhamento:
- Anorexia - caracterizada por severa restrição alimentar, costuma levar a uma acentuada perda de peso e desnutrição.
Em muitos casos, começa com o hábito de alguma dieta, que se transforma em jejum; - Bulimia - frequentemente associada ao uso de laxantes, diuréticos e à provocação intencional de vômitos, como um meio para eliminar um enorme volume de comida ingerido compulsivamente em pouco tempo.
Tudo para manter o peso corporal; - Compulsão Alimentar - transtorno autoexplicativo. Consumir comida em grandes quantidades de uma só vez, isso acontece com uma certa frequência e a pessoa se sente fora do controle.
Ás vezes pode ser atrelado a bulimia, ou seja, o indivíduo come compulsivamente, sente culpa e aquilo provoca o comportamento de expulsão do alimento ingerido.
Diagnóstico - Silêncio e tabu
Como é algo pouco discutido, as pessoas que já desconfiam sofrer de algum distúrbio não se sentem seguras para conversar (vergonha e sensação de ter o controle são recorrentes) com familiares ou buscar opinião profissional.
É papel de todos incluírem isso como uma pauta na sociedade e discutirem o tema, enquanto desencorajam o reforço do chamado "padrão da beleza perfeita" na mídia e no convívio diário.
Ainda assim, é possível apontar alguns fatores-chave no reconhecimento dos transtornos. Situações frequentes de recompensa ou punição que envolvam comida são um exemplo claro, como dietas rigorosas, jejuns e compulsão. Vale uma auto-observação!
Vale a pena tudo para fugir do ganho de peso, desde prática de exercícios físicos em excesso, a contagem obsessiva de calorias diárias consumidas/gastas, o hábito exagerado de se pesar e tirar medidas do corpo são sinais de alerta.
Muita atenção: preferir fazer as refeições isoladamente e procurar o toalete logo após o seu término são duas características muito presentes em transtornos alimentares.
Tratamento - Prevenção ou força-tarefa
Geralmente é um processo demorado e custoso, pois tende a precisar de uma equipe multidisciplinar especializada. Quase sempre o ponto de partida se dá com psicólogo/a e nutricionista.
O timing é determinante, pois o atraso para identificar o transtorno e buscar ajuda pode agravar consideravelmente o quadro. Inclusive, prolongando o tempo de tratamento.
Portanto, a primeira ação deve ser a preventiva. Aprender a investir em alimentação saudável, criando essa cultura em seu lar, ambiente de trabalho etc. focando sempre na qualidade de vida.
Segundo, é preciso minimizar o estético, muitas vezes a fonte geradora dos problemas que afetam os portadores de algum dos transtornos alimentares.
Por último, quebrem o tabu. Conversem abertamente com amigos e familiares e se mantenha sempre prestativo a ajudar quem precisa.
Como os transtornos afetam a rotina e convivência social e profissional
Uma série de doenças chega na esteira dos distúrbios alimentares, como anemia, diabetes tipo 2, problemas digestivos e neurológicos, depressão, alta do colesterol, doenças do coração, insônia, convulsões, fadiga, pressão arterial elevada, dores articulares, queda de cabelos, ansiedade, cãibras, ressecamento da pele e surgimento de outros problemas psiquiátricos etc.
Consequentemente, a qualidade das relações pessoais e de trabalho sofrem um impacto. Se a pessoa já se sentia indisposta ou com limitações, pode ser atingida por mais um duro golpe em sua saúde, atividades funcionais e autoestima. Assim, não são raros os compromissos sociais desmarcados, faltas no emprego e a tendência ao isolamento.
As relações e os principais gatilhos
Cada indivíduo possui o seu próprio sistema. Sentimentos, estados de espírito e situações levam a caminhos diversos. Fazer uma análise e reconhecer o que a frustração, a culpa e a satisfação costumam desencadear em seu prato é essencial para não cair na armadilha da compulsão ou outro transtorno.
Além disso, interagir com pessoas, seja em qualquer ambiente, pode influenciar em seu humor. Inclusive negativamente, quando um comentário no escritório sobre a roupa ou a silhueta gera piadas e/ou fofocas.
Opinar acerca da aparência alheia é errado.
Pressão estética imposta pela sociedade
O exemplo acima tende a ser muito corriqueiro e exerce uma grande pressão sobre as pessoas, principalmente as mulheres. As pessoas ainda são julgadas por suas medidas e atributos físicos. Tanto em situações sociais quanto profissionais, como procura por emprego.
Se isto já não fosse cruel por essência, pense no resultado direto sobre alguém que possui baixa autoestima e apresenta também algum distúrbio alimentar. A ANAD, uma associação norte-americana que trata da anorexia nervosa e outros transtornos, aponta que ocorrem tentativas de suicídio em 26% dos indivíduos com algum distúrbio.
As mulheres sofrem mais com isso
Conforme citado anteriormente, a problemática entre as mulheres e seus corpos começa cedo, ainda na adolescência. Infelizmente, as coisas não melhoram. Vão sendo carregadas ao longo da vida, já que 13% das mulheres acima de 50 anos de idade têm sintomas relacionados aos transtornos alimentares.
A relação do sexo feminino com a comida e algum possível descontrole temporário pode também ser explicada pelo hormônios, uma situação biológica. Além disso, sempre recaiu sobre a mulher aquele julgamento mais severo quando está "acima do peso", a partir daí, o peso da pressão estética, as comparações e a autoestima fragilizada infelizmente fazem o restante.
Esta situação tende a se agravar quando se consegue suprir o emocional com alguns tipos de alimentos, sobretudo os doces, já que o açúcar preenche bem a lacuna do prazer imediato.
Autoajuda e amparo
Uma rotina ajustada com bons hábitos pode minimizar e até solucionar muitas das dificuldades enfrentadas nesse campo.
Confie muito no autocuidado:
- Crie um registro diário de refeições, contendo horários, alimentos e as sensações desencadeadas. Este método vai trazer muito entendimento, inclusive acerca dos gatilhos;
- Procure ter um cardápio definido e siga-o, com pouco espaço para improvisações;
- Fale sobre o problema - seja com familiares, psicólogos ou grupos de apoio (logo abaixo veja algumas dicas de sugestões).
Leia também relatos de pacientes com os mesmos transtornos; - Drible os seus impulsos - quando surgirem, coloque outra atividade em seu lugar: alongamentos e meditação, banho relaxante, organize sua casa enquanto escuta música, vá caminhar ou pedalar etc.
- O tripé que sempre defendemos: boa hidratação, sono de qualidade e atividade física - regulam o metabolismo e liberam hormônios do bem-estar.
Especificamente aqui, pode ainda melhorar a sua autoestima; - Não teste a sua resistência - evite ter guloseimas à disposição.
Dicas de acolhimento
Vamos conferir abaixo conteúdo direcionado ao tema, com muita informação de qualidade e redes de apoio.
Páginas e perfis em redes sociais
- Nicoli Brek @nutrinicolibrek - nutricionista especializada em transtornos alimentares, dispõe de material sobre o tema e oferece atendimento;
- ASTRALBR @astralbr YouTube - Associação Brasileira de Transtornos Alimentares, contém ampla gama de lives, discussões e informações sobre grupos de apoio e atendimento pago e gratuito em todos os seus canais.
Livros
- "Fazendo as pazes com o corpo", de Daiana Garbin - busque identificação com quem passou pelo mesmo problema;
- "E foram magros e felizes para sempre?", de Elisabeth Wajnryt - aborda o problema da compulsão sem julgamentos;
- "Como lidar com os transtornos alimentares", de Eduardo Wagner Aratangy - um guia prático bastante elucidativo, indicado também para a família do paciente;
- "Comer Intuitivo", de Evelyn Tribole e Elyse Resch - escute o seu corpo e modifique a sua relação com a comida a partir desse aprendizado com duas especialistas em nutrição.
Mitos e verdades
Agora, que tal passarmos por algumas questões recorrentes?
- Apenas obesos têm compulsão alimentar?
Apesar de ser mais comum para esse grupo, não podemos associá-los; - Os transtornos não possuem cura, somente tratamento paliativo.
Uma abordagem efetiva e precoce pode conseguir bons resultados, sobretudo quando se introduz um método que privilegie todos os aspectos - mental, via reeducação comportamental e mudança de perspectiva e nutricional - fazendo escolhas saudáveis gradativamente; - O abuso de álcool pode trazer algumas respostas.
Verdade.Uma pesquisa de St. Louis/Estados Unidos, faz uma ponte entre predisposição para dependência de álcool e a compulsão alimentar; - Muitas vezes a família é determinante.
Aqui temos um enorme SIM. Mais uma vez: um familiar pode ser o empurrão necessário para a pessoa começar a se libertar de seu transtorno por meio de tratamento.
Como podemos ajudar e contribuir
Vamos evitar os comentários comparativos e depreciativos? Cada pessoa tem a sua individualidade. A regra é clara: trate os outros como gostaria de ser tratado. Esse é o melhor termômetro para saber se deve ou não dizer algo.
Devemos fazer um esforço a fim de não perpetuar a "cultura da perfeição", que abrange corpos de revista, dietas mirabolantes e a normalização de cirurgias plásticas para qualquer fim.
De nada adiantará entrar em qualquer dieta alimentar se a perspectiva não mudar. Como encaramos a alimentação, seus benefícios e suas consequências é a chave.
Transformar o estilo de vida com atividade física e mente sã (com ajuda médica quando necessário - a terapia cognitivo-comportamental costuma dar bons resultados) é duradouro e eficaz.
Ao oferecer suporte, tenha muito cuidado, paciência e empatia. Tenha muito tato na conversa e dê apoio incondicional, escutando a pessoa sem julgá-la ou recriminá-la.
Lembre-se que o objetivo é fazê-la entender que o melhor caminho é um tratamento.
Pudemos verificar o estrago que podem causar os transtornos alimentares, que entre todos os distúrbios psiquiátricos, traz os mais altos índices de mortalidade; no mundo, a cada 52 minutos, um óbito deriva de algum de seus tipos.
Que seja possível apurarmos o nosso olhar para nossos familiares, colegas de trabalho e até nós mesmos.
Muitas vezes um comportamento obsessivo se instala a partir de algum trauma e torna-se rapidamente um hábito.
Uma rede de apoio pode devolver a felicidade a quem sofre desses transtornos.
Que tal implantarmos a aceitação, compreensão, respeito e empatia?
“ESTE TRABALHO É EDUCATIVO E NÃO SUBSTITUI AS ORIENTAÇÕES E RECOMENDAÇÕES MÉDICAS”